Pus o revolver na fronte do amor pela última vez.
Quantas vezes o fiz para te mostrar minha urgência de amar de formas não dadas, de maneiras não herdadas. E quantas outras o fiz pra ver-te urgente, nesta apreensão diante de nosso amor refém.
Contudo percebi que esta luta armada é apropriada entre classes, mas não entre amantes. O que esperava de ti era a desenvoltura dos cuidados que longe de causar dependência, dariam testemunho de que éramos comparsas no mundo. Pois o mundo há que ser burlado enquanto houver nele qualquer sombra de opressão.
O amor esperou à beira da ordem, que não lhe dava mais que um espaço-tempo de servidão. Lhe exigia que respeitasse o calendário do progresso, as prioridades de um suposto bem comum.
Resignado, o amor se distraía com seus adornos românticos: as frases feitas, os refrões manjados, as rimas conhecidas. E devaneiava esperançoso de voltar a viver a aura do primeiro encontro, aquele instante que nem a família, o padre ou a polícia adiariam a urgência de sentir-se olhos nos olhos com o outro. Mas sem dar-se conta, o amor deixava este instante cada vez mais no passado, pra se tornar ele mesmo um belo adorno na vida do amantes.
Há tempos já não havia diferença entre ele e a fazenda que o dono visita vez em quando para impedir que outros a ocupem, lhe roubem a posse. e sob o sol e a chuva o amor foi se tornando estéril.
Mas eu não caibo entre o punhado de mimos que contente carregas pela vida.
Pus o revolver na fronte do amor. Se ainda lhe houvessem forças, ele mesmo o pediria em balbuciadas palavras. Mas antes que eu atirasse ou você tentasse salvá-lo, num resto de fôlego inerte o amor expirou. Não durara até o próximo aniversário ou natal. O calendário, que sempre amolara o amor, do amor se libertou.
À míngua morreu o amor. Menos mal. Antes ele que a capacidade de reinventá-lo.