sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Batismo com fogo

Abarca-me a dor de saber-me paixão
estremece um talvez no compasso cardíaco
minha boca quer a tua
o sabor da tua saliva
minha pele quer encontrar a tua
meus pelos procuram por você


Pensei tantos feitiços
que me trouxessem você
dei voltas em mim mesmo
rezei baixo em devaneio.
Perdi a medida dos passos
dancei a demora dos dias
num silêncio gemido ofegava
e meu peito te pedia.
A memória em transe
teu calor quer guardar
na ponta dos meus dedos
teu cheiro passeia.
E caio em mim sozinho
balbuciando teu nome
simulo mil jeitos
que você me encontre.
Inúteis estes encantos
mantras de tempo perdido
nada me livra do fogo
me entrego aos teus perigos.
E eis que vivo
de gozo e dor ao mesmo tempo
e de novo estremeço
me perder e me achar num só movimento.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Todos os gostos

Guardo meu gozo dentro de ti
e desabo meu corpo saciado sobre o seu
nossos cheiros se misturam inébrios
e os pulmões ofegam satisfeitos.
Os gemidos cadenciados de antes
que num ápice de volúpia estremeceram
os pelos e lábios incandescidos
dão lugar a um silêncio suspenso.
Dizer talvez devia
meu nome ou quem seria.
Mas antes do próximo suspiro
estamos longe, incógnitos.
Me acho cruel
me acho senhor
macho me acho
isento da dor.
Enfrento
Fujo
Encaro
Escarro
Escorro entre as pernas dos dias.
Levas meu gemido de prazer em ti
mas quem levará meu gemido íntimo
meu nome não dito
minha face afagável?

terça-feira, 3 de novembro de 2009

?

Onde você estava
Enquanto o amor acontecia
Bem na sua frente
Em plena luz do dia
?

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Sobre um bibelô caído da prateleira

Pus o revolver na fronte do amor pela última vez.
Quantas vezes o fiz para te mostrar minha urgência de amar de formas não dadas, de maneiras não herdadas. E quantas outras o fiz pra ver-te urgente, nesta apreensão diante de nosso amor refém.
Contudo percebi que esta luta armada é apropriada entre classes, mas não entre amantes. O que esperava de ti era a desenvoltura dos cuidados que longe de causar dependência, dariam testemunho de que éramos comparsas no mundo. Pois o mundo há que ser burlado enquanto houver nele qualquer sombra de opressão.
O amor esperou à beira da ordem, que não lhe dava mais que um espaço-tempo de servidão. Lhe exigia que respeitasse o calendário do progresso, as prioridades de um suposto bem comum.
Resignado, o amor se distraía com seus adornos românticos: as frases feitas, os refrões manjados, as rimas conhecidas. E devaneiava esperançoso de voltar a viver a aura do primeiro encontro, aquele instante que nem a família, o padre ou a polícia adiariam a urgência de sentir-se olhos nos olhos com o outro. Mas sem dar-se conta, o amor deixava este instante cada vez mais no passado, pra se tornar ele mesmo um belo adorno na vida do amantes.
Há tempos já não havia diferença entre ele e a fazenda que o dono visita vez em quando para impedir que outros a ocupem, lhe roubem a posse. e sob o sol e a chuva o amor foi se tornando estéril.
Mas eu não caibo entre o punhado de mimos que contente carregas pela vida.
Pus o revolver na fronte do amor. Se ainda lhe houvessem forças, ele mesmo o pediria em balbuciadas palavras. Mas antes que eu atirasse ou você tentasse salvá-lo, num resto de fôlego inerte o amor expirou. Não durara até o próximo aniversário ou natal. O calendário, que sempre amolara o amor, do amor se libertou.
À míngua morreu o amor. Menos mal. Antes ele que a capacidade de reinventá-lo.

domingo, 6 de setembro de 2009

Adubo

Está caindo.
Mais um pedaço de um eu está caindo.
Daquele eu que se portava, se comportava em modos dados.
Estilhaçou no chão.
E não sinto saudades.
Sinto urgência.
É medo e raiva misturados num turbilhão de sangue.
Palpitam nervos buscando seu próprio curso.
As costelas se expandem numa dimensão desobediente.
Os cacos do eu que já não sou se debatem num último espasmo.
É hora de voltar à terra, ser corpo de outro ser.
Dos seres pelos quais clamam os dias e as noites.
O tempo pede mais.
Insaciável mais.
Mais um passo.
Mais um pedaço.
Mais uma camada.
É como um canto que o eu que sou já não pode (e não quer) fingir que não ouve.
É o prenúncio de muitas mortes.
É o proclame da vida.
Vida pura, crua, sem amarras.
O eu que sou olha os pedaços do eu que era:
Ficam melhores no chão.
As carapaças se vão.
O vento acaricia a pele recém-parida.
E num passo urgente, sigo a rota dos nervos.
E eis que um novo pedaço antigo se lança.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Um pé que espera o outro na saída

Sempre achei a imagem de um coração partido deveras piegas, mas só sentindo a dor do fim para perceber que a imagem é perfeita. O fim tem a iminência de um monte de coisas querendo transbordar pelas frestas que vão se abrindo no coração. Como se a vida represada em nome de algo não pudesse mais se conter. Mas como doem as frestas. Como dói perceber que a vida represada espera em vão. Que os sonhos que tece na esperança do porvir são uma teia de ventos, que as mãos não podem segurar. Contudo o vento corre o mundo, vai da brisa ao tufão, do carinho ao despedaçamento, para lembrar que a vida é movimento e que mesmo a vida represada um dia tem que ganhar o além mundo das paredes de um coração para se por à prova, a perigo, à iminência de existir sem garantias. Um coração partido dói, mas dói muito mais tentar conter as fissuras do tempo que pedem mais.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Medo de amar 3

Tudo o que faço é para diminuir minha culpa.
Administro meus mal-estares.
Ouço "música boa".
Mantenho a casa em ordem.
Contenho meus anseios na dimensão do executável.
Compro os produtos que deixam minha vida, meu espaço e meu corpo cheirando bem.
Perfumo minha existência com odores compreensíveis, assimiláveis.
E me imagino salvo.
Me sonho pertencente ao hall das coisas boas que vingaram sua passagem pela terra.
Sigo até onde meus pés me conduzem, um após o outro.
E entre um passo e outro contenho o balanço das asas.
E suporto o medo de cair.

A arte de perder(se)

E se eu me despir de toda máscara
de todo disfarce que me esconde
e se eu puder me liberar de toda armadura
que falsos valores insistem que eu use
e se eu desarmar todas as armadilhas
e todo auto-engano que é medo de viver
e se eu dançar despido, com os pés descalços
o peito escancarado para a vida
sob o sol, sob a lua, sob a chuva e as estrelas
tendo como herança apenas o presente
viver já vai ter valido a pena!

terça-feira, 25 de agosto de 2009

outono

Hoje eu acordei chovendo
com olhos nublados
sorrisos no vento
Me senti na escada
(do vão pensamento)
na beira da alma
no oco de dentro
Hoje eu deixei passar
o tempo das palavras
num silêncio escorrido
me deixei ser pó
ser falível como sempre
e o nunca permitido
hoje abri minha gaiola
e disse voa! pra mim mesmo
e vivi o momento
que antecede a perdição
Hoje encarei minhas perdas
as rugas no jovem
as asas no chão
E de tanto sentir
a passagem do dia
me desfiz na surdina
dos instantes que vão

febre no escuro

Partículas de mim
espalhadas por todos os cantos.
Todos os cantos que calam.
Todos aqueles que ensaiam sair.
Todo e parte
em pretérito imperfeito,
errante, incorrigível.
Baboseiras por todos os lados,
todos os ritmos dissonam de uma vez.
Chegada que nunca chega.
Partida que não se encerra.
Não tem dor no peito, não
tem esperança!
vazia, parada
entorpecida.
Tem semente de um nada germinante.
Tem uma sede que nunca se seca.
Uma parede que se corrói em mandalas
Em serpentes de fogo
ânima, animus
desejos, benevolência.
ave maria das cores,
das dores e dos confins do eu em mim
livrai-nos da eterna desistência!

Do abismo

Foi como uma rua passando
por baixo dos meus pés
e uma manada de prédios correndo
por ambos lados de mim
E como um soluço suspenso
numa contração inesperada
foi o ar paralisado
sem poder entrar ou sair
No zunido do dia hiato
gelo na forma de imagem freada
o salto impedido de voltar
foi passo que teme se dar
Foi a queda repentina
a fissura das idéias de sempre
um par de asas sendo paridas
foi o dia que caí em mim
Mas espera
não acabe ainda o poema
minhas as asas batem
é tempo de voar

Ode ao porvir

E quando eu enlouquecer
tristeza e alegria não farão mais sentido
só uma única coisa, gelada e ardente
como a madrugada de inverno no meio da rua.
Pois quando eu enlouquecer
minhas pernas enfim poderão
parar de pensar por onde andar
e andando errantes
nunca mais errarão em culpar-se.
Ah se eu enlouquecer!
que seja numa única dose, de uma só vez
sem volta, sem piedade, por amor
à vida ou à morte, pois todas são uma só.
E se eu enlouquecer
não chore minha perda, minha perdição
que essa não seria mais irracional
que a cotidiana busca de achar-se.
Mas se não enlouquecer
que não me afunde em auto-piedade
nem na luta por defender-me.
Que eu ocupe meu lúcido tempo
em perder as inúteis razões do mundo!

Do peito vazado

Me transpassou
O amor me atravessou
Fez de mim o que não queria
Entrou pelos meus lábios
Roubou-me dos dias
Fez em mim um buraco
Bendita ferida
Sem ele sempre o mesmo
Com ele o que nunca seria
Perdi o que era
E encontrei o que não imaginaria