quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Medo de amar 3

Tudo o que faço é para diminuir minha culpa.
Administro meus mal-estares.
Ouço "música boa".
Mantenho a casa em ordem.
Contenho meus anseios na dimensão do executável.
Compro os produtos que deixam minha vida, meu espaço e meu corpo cheirando bem.
Perfumo minha existência com odores compreensíveis, assimiláveis.
E me imagino salvo.
Me sonho pertencente ao hall das coisas boas que vingaram sua passagem pela terra.
Sigo até onde meus pés me conduzem, um após o outro.
E entre um passo e outro contenho o balanço das asas.
E suporto o medo de cair.

A arte de perder(se)

E se eu me despir de toda máscara
de todo disfarce que me esconde
e se eu puder me liberar de toda armadura
que falsos valores insistem que eu use
e se eu desarmar todas as armadilhas
e todo auto-engano que é medo de viver
e se eu dançar despido, com os pés descalços
o peito escancarado para a vida
sob o sol, sob a lua, sob a chuva e as estrelas
tendo como herança apenas o presente
viver já vai ter valido a pena!

terça-feira, 25 de agosto de 2009

outono

Hoje eu acordei chovendo
com olhos nublados
sorrisos no vento
Me senti na escada
(do vão pensamento)
na beira da alma
no oco de dentro
Hoje eu deixei passar
o tempo das palavras
num silêncio escorrido
me deixei ser pó
ser falível como sempre
e o nunca permitido
hoje abri minha gaiola
e disse voa! pra mim mesmo
e vivi o momento
que antecede a perdição
Hoje encarei minhas perdas
as rugas no jovem
as asas no chão
E de tanto sentir
a passagem do dia
me desfiz na surdina
dos instantes que vão

febre no escuro

Partículas de mim
espalhadas por todos os cantos.
Todos os cantos que calam.
Todos aqueles que ensaiam sair.
Todo e parte
em pretérito imperfeito,
errante, incorrigível.
Baboseiras por todos os lados,
todos os ritmos dissonam de uma vez.
Chegada que nunca chega.
Partida que não se encerra.
Não tem dor no peito, não
tem esperança!
vazia, parada
entorpecida.
Tem semente de um nada germinante.
Tem uma sede que nunca se seca.
Uma parede que se corrói em mandalas
Em serpentes de fogo
ânima, animus
desejos, benevolência.
ave maria das cores,
das dores e dos confins do eu em mim
livrai-nos da eterna desistência!

Do abismo

Foi como uma rua passando
por baixo dos meus pés
e uma manada de prédios correndo
por ambos lados de mim
E como um soluço suspenso
numa contração inesperada
foi o ar paralisado
sem poder entrar ou sair
No zunido do dia hiato
gelo na forma de imagem freada
o salto impedido de voltar
foi passo que teme se dar
Foi a queda repentina
a fissura das idéias de sempre
um par de asas sendo paridas
foi o dia que caí em mim
Mas espera
não acabe ainda o poema
minhas as asas batem
é tempo de voar

Ode ao porvir

E quando eu enlouquecer
tristeza e alegria não farão mais sentido
só uma única coisa, gelada e ardente
como a madrugada de inverno no meio da rua.
Pois quando eu enlouquecer
minhas pernas enfim poderão
parar de pensar por onde andar
e andando errantes
nunca mais errarão em culpar-se.
Ah se eu enlouquecer!
que seja numa única dose, de uma só vez
sem volta, sem piedade, por amor
à vida ou à morte, pois todas são uma só.
E se eu enlouquecer
não chore minha perda, minha perdição
que essa não seria mais irracional
que a cotidiana busca de achar-se.
Mas se não enlouquecer
que não me afunde em auto-piedade
nem na luta por defender-me.
Que eu ocupe meu lúcido tempo
em perder as inúteis razões do mundo!

Do peito vazado

Me transpassou
O amor me atravessou
Fez de mim o que não queria
Entrou pelos meus lábios
Roubou-me dos dias
Fez em mim um buraco
Bendita ferida
Sem ele sempre o mesmo
Com ele o que nunca seria
Perdi o que era
E encontrei o que não imaginaria