segunda-feira, 16 de agosto de 2010

nos trilhos

Sobre as horas vou nadando sem parar
mas é fundo o tempo em que posso mergulhar.
No relógio meu compasso ordenado.
Nas costelas a vontade de escoar.

Em frente a uma tela de cristal líquido,
num afago trôpego e perdido,
a lembrança cala meu olhar sonolento.
Os minutos roçam minha fronte preocupada
e sentado sinto o mundo acelerar.

Pelas horas vou sendo espremido
não sinto dor, sinto um sufoco quase natural.
O aprendido em anos de costumes
pode desabar no tempo de uma entrelinha
mas agora tudo se sustenta nos meus ombros armados.

Um segundo é quanto vive o gemido
é no peito que reside o meu grito
gerado na somatória de todas as pressas
calado na demora dos dias.

É num silêncio digitado que sigo
pelas horas que correm desde sempre
sem nunca aportar em qualquer estação.

E vão correndo sem perceber
que são passado e presente, misturados
Em vão morrendo sem entender
que em si carregam o tempo,
o germe voraz e implacável do tempo
querendo o relógio romper.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Que puxa!

o coração está sentado
se recuperando de um tombo
logo logo se levanta
mas por enquanto, suspira e pensa:
essa dor toda deve servir pra alguma coisa!

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Inverno

A melhor forma de tornar os sonhos em realidade é acordando. Paul Valéry

Fazem menos cinco graus logo abaixo da minha pele.
Meus ossos estão à sombra dos sonhos que tive
e que acabaram de ruir novamente.
Aqui é triste e frio, mas ainda é o presente.

Meu peito bate em animação suspensa,
é grave e lento seu bumbo agora
tem dor e tem medo, num contratempo,
tem chiado molhando o instante que chora.

O meu corpo que aprendi a vestir
pensa que talvez despindo-se de si
possa quem sabe, revelar enfim
a alma que soluça abrupta em mim.

O céu é branco daqui
como se o tempo o oferecesse
a quem inquieto e corajoso
queira escrever em seu seio o porvir.

É preciso sangue para atravessar estes tempos.
É preciso tê-lo e não negar-lhe o passeio.
Pois que ganhando as ruas arteriais do eu mesmo
me difunde no sonho que novamente vai se erguendo.

E segue brotando nos escombros do peito
regado pelas sódicas lágrimas que desceram
renascem raízes cravadas no aqui e agora:
é na urgência da vida que o sonho ascende dançando.

E ainda que seja sonho, germe do que ainda virá
não é contudo menos vivo e avassalador.
Que se lance virótico nas planícies humanas
e floreça concreto na rebenta aurora.

Oração

Deixe a dor aqui, deixe ela presente
que eu não quero daqui um tempo
tropeçar nas minhas emoções envelhecidas.
Deixa este latejo me lembrar da vida e da morte.

Deixe o sangue correr, dentro e fora de mim
a ferida estanca quando morre o suficiente
e a vida que resta se multiplica insistente.
Deixa o sangue seguir o curso da noite.

Deixe a lágrima dançar com o riso
uma lembrança mata, outra ressuscita
uma canção me embala numa montanha russa.
Deixa meu coração ser tudo que tiver que ser.

Deixe o tempo me atravessar por inteiro
um segundo aqui dentro pode durar um século
e um suspiro às vezes pesa mais que o vento.
Deixa, que eu não sou mais o mesmo.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Noturno

Um eclipse recobre minha face
as pálpebras pesam encharcadas
Nina Simone me acompanha de perto
e eu sou só um momento quieto.

Mas sei bem o atropelo aqui dentro
meu peito parece uma cova de areia movediça
e o braço que pode me tirar daqui a tempo
é o meu mesmo, que sacode aflito.

De quantas revanches se faz uma história
até quando um cão feroz me tomará os olhos
é numa espiral de dor e receio que desço
nas assustadoras profundezas do que estou sendo.

Poderia um encontro não terminar em luta
haveria algum modo de ser verdadadeiro
e contudo, não ser uma verdade solitária
Saberei um dia amar levemente?

Escorrego pra vala dos meus pesadelos
entre interrogações que não controlo
pois desde sempre estão aqui
e é pouco a pouco que as enxergo.

Escorro da minha altivez de adulto
pro porão onde um dia fui criança
entre brinquedos e abandonos
uma lágrima enfim se lança.

A lágrima seca, a palavra falta
o eclipse prossegue inabalável
o sol se pôs em mim há algum tempo
e é de noite e no frio que agora eu sigo.

Já não sorrio abundantemente
meu corpo geme, meu ânimo pesa
ensaio alguns passos próprios
que já não é o vento que me leva.

Como dói esta noite
este deserto gelando meu peito
aprender o tempo é árduo
mas com ele virá o sol que desejo.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Charlie Brown

O amor que me ensinaram eu rejeitei.
O amor que eu quero viver eu não posso.
O amor que eu posso viver eu tenho medo.

Patético, hã?