sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

zona azul

A cidade não cala
o que calam são os olhos
testemunhas silenciosas
de tudo que quis ser.

Os carros rosnam sem parar
como sempre rangem apertadas
as costelas que amparam
meus pulmões a respirar.

As pessoas passam.
Passam depressa ou devagar.
Passam pela minha vida.
Passam sem peceber.

Que tempo é esse que não espera?
Que sonho é esse que não prospera?
Que remédio derramo nessa chaga?
Ao silêncio ofereço uma palavra.

Torpe.
Torpe.
Torpe.
É uma lembrança torpe que eu trago
ou que me trouxe até aqui.
Lembro de um passado que nunca foi meu.

A cidade não para
não há descanso depois do expediente,
braços abertos que me esperam,
ou horas vagabundas que me alimentem.

Ao soar do primeiro choro
nos lançamos urgentes
numa corrida insistente
que só finda quando encontra o chão.

Mas bendito seja o tropeço
que no ímpeto da gravidade
se choca enfim o peito
e solavanca o coração.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

de tanto mar

Tudo que eu queria
é que não houvesse diferença alguma
entre o mar e eu.

Que eu me desmanchasse em ondas
que tocam numa ponta a praia
e na outra o céu.

Que da brisa fresca
saudades não mais sentisse
porque então nós seríamos
companheiros inseparáveis
numa dança que paira
e perdura através das estações.

Quem dera mar eu fosse
e os quatro cantos tocasse
e em mim mesmo não coubessem
as ondas, as lendas e as preces.

E em tempos obscuros e mornos
em que a pressa impera e os olhos fogem
aqui mesmo, eu sou mar
na lágrima tímida e liberta
que pela minha face desce.