terça-feira, 27 de julho de 2010

Do que espero

Sabe aquele dia de sol
em que tudo pára no seu brilho amarelado
em que tudo paira num calor aconchegado?
quando virá eu não sei.

Sabe aquele tempo sem pressa
em que as coisas acontecem por si
em que os planos já não fazem sentido?
quando virá eu não sei.

Sabe aquele sabor de fruta carnuda
que enche a boca de água e doçura
que cala a palavra mas provoca o gemido?
quando virá eu não sei.

E sabe aquele sorriso
Às vezes entrega, às vezes abrigo
Intenso de cores num planeta íntimo?
quando virá eu também não sei.

Mas sabe aquela torcida
Às vezes ansiosa, por vezes melancólica
Aquela que na vida fez suas apostas?
Esta permanece aqui.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Poema-conto

O paciente entra no consultório
- em que posso ajudá-lo? diz o médico
- peço que me olhe atento, responde o homem
os dois se observam por um momento

- o senhor sente alguma coisa?
perguntou o doutor pego de surpresa
o paciente disse após pensar um pouco
- sinto que não tenho muito tempo.

o psiquiatra franziu a testa impaciente
- o senhor acha que vai morrer?
o homem sorriu como se concordasse
- eu estou morrendo agora mesmo!

- está sentindo alguma dor, mal-estar?
- sim, mas já senti bem mais,
   parece que a cada dia sinto menos.
- não entendo porque me procura então.

- porque quando as coisas me doíam
  eu tinha certo que estava vivo.
  Estando agora aqui e nada sentindo
  a ausência da vida eu pressinto.

- meu senhor, não tenho tempo para filosofia
  deseja um anti-depressivo, ou só conversar
  pois caso isto seja, recomendo um amigo
  retorne à sua vida e não tome mais meu tempo.

- o doutor também o sente? o tempo sendo tomado?
   (por um momento foram cúmplices)
- meu senhor eu sei a vida é dura, ... pra nós todos
  e parou um segundo engolindo a saliva, e a revelação

o homem o observou compreendendo
cúmplices foram por mais um momento
aquela sensação vinha de longe
de um tempo em que tudo respirava.

- o doutor há de concordar comigo
   que não é a vida que é dura
   são duros os dias, as horas e os minutos
   em que à força enfiamos a vida

- eu ainda não entendo sua vinda
  tropeçou nas palavras o médico
- meu senhor eu não posso ajudá-lo
- não quero ajuda, só um pedido.

- o doutor já teve saudades do que nunca viveu?
- uma nostalgia de um lugar não visitado?
- uma imagem de um encontro não ocorrido?
- pois é, esta era a vida insistindo.

- só peço que me olhe doutor
  examine o que resta deste homem
  os meus sonhos me abondonam a cada dia
  paredes de todos os lados me comprimem.
 
- e se eu me encontrasse de novo
  talvez não me reconheceria.
  Mas fale do que vê e sente
  e desconfie da normalidade.

E despediram-se num silêncio
pesado como as horas mortas
que preenchiam suas vidas
sem no entanto fazê-los esquecer.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Roça

Uma transa, um transe
nossas pernas trançadas.
O sabor dos teus pelos
bolindo meu hálito.
Me dá teus lábios ardendo
devolvo gemidos suados.
Comer você inteiro
e adormecer embriagado.

terça-feira, 13 de julho de 2010

I lost my soul on a dancefloor

tum

tum

tum

tum

Meu coração foi à forra
caindo sem dono na madrugada
no meio dos corpos se agitando
minha urgência deflagrada:

tum tum tum tum
tum tum tum tum

-é preciso vingar-se
sentir o prazer do outro nos perdendo
testemunhando seu erro de fel
enquanto beijamos outra boca anônima.
tumtumtumtumtumtumtum
- ou é preciso salvar-se em outros braços
entender que no mundo alguém ainda nos quer
de qualquer forma, apesar dos pesares
mais vale um beijo sem gosto que uma boca vazia

tutis tum tutis tum tutis tum tutis

Eu perdi minha alma numa pista de dança
ou qualquer coisa que me aproximava de mim
jogado entre bases pesadas, luzes e fumaça
meu peito ainda geme, mas meu lábio sorri.

tis tis tis tu-tum tum tum tum-tis tum-tis tum-tis

E eu que nem sou mulher
cravei minhas unhas de fêmea numa salvação patética
vaguei feito cortesã decadente entre a multidão solitária
sorri minha vingaça imaginária
enquanto um ranso de perda impregnava meus lábios.

tis
tis
tis
shhhh.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

tropeço

Plantaste uma pedra entre nós
e nela cravado estava um não.
Os ventos que semeavas sorrindo
sem aviso se tornaram tufão.

E do vácuo das idéias
que corpo se erguiria?

uma história pulverizada
em extensão e profundidade
escapa furtiva das mãos.
Seria enfim a liberdade?

um elo que se chama profundo
não seria, talvez no fundo
um elo que não existe?
que por medo de admití-lo
ou por não enxergá-lo,
se lhe atribui a dimensão do impalpável.

Desisti da verdade
que ela não é senão muitas
Estão aqui e ali, construídas
nos dando a sensação segura.

no momento eu persigo buracos
ou quando posso, as perguntas
pois no que não é dito, me movo
entre tropeços e lacunas.