domingo, 14 de fevereiro de 2010

Prazer nos poros

Dei-me dias inteiros na beira do mar
Banhei-me em águas insolaradas
Repletas de risos e cantos,
Cheias de vida e de história.
Dei-me noites de lua cheia
Obsceno clarão suspenso no ar
E um céu negro bordado de estrelas
Que guloso eu comi com o olhar.
Dei-me passeios entre árvores
Em trilhas de raros arranjos
Adornadas com pedras, prainhas
Embriagantes de tanta beleza.
Dei-me rodas de cantos
bebi a alegria ao lado de amigos
Dancei o inesperado encanto
E pasmo caí em mim mesmo.
Que o mesmo já não fosse
Pois que me dando
Perdi e ganhei
Metamorfoseando.
Os gostos descobertos
As areias que toquei,
Sombras que refrescam,
Os caldos que tomei.
Engraçado é pensar
Que de tudo que me dei
Nada disso possuí
Mas de mim não tirarão
Os sabores desse tempo.

Sobre a beleza num dia de férias

Yo tengo tantos hermanos que no los puedo contar
Y una novia muy hermosa que se llama libertad.
Atahualpa Yupanqui


Em liberdade, todo ser humano é mais belo.
Em liberdade, ele enxerga mais a beleza.
Mas não nos confundamos:
Liberdade não é um conceito, uma abstração do intelecto.
Também não achemos que ela resulta da iluminação espiritual
da abnegação resignada do que é mais caro à vida humana:
Comer, habitar e conviver,
questionar, refletir e transformar.
A liberdade é condição essencial ao humano
Tal como é o pão, o chão e o teto para repousar,
o aconchego e o prazer do encontro.
Mas não nos enganemos:
Estas necessidades são anteriores.
Nem nos iludamos:
A liberdade não cairá diante de nossos olhos
Tal como um dia de sol depois de anos de trevas.
A liberdade há que ser conquistada,
parida com sangue.
Não por um, mas por todos.
Não para um, mas para todos.
E não nos conformemos:
A liberdade guarda em si a potência de muitos universos em expansão.
Diferente do sabor açucarado de poder consumir
e amargar o vazio em seguida.
E não nos omitamos mais:
Enquanto alguém precisar vender-se em qualquer instância
Para garantir suas necessidades de sobrevivência
Falar em nome da liberdade não passa de um discurso imoral.
A liberdade da vida privada
Com momentos determinados
Para começar e acabar
Não passa de uma caricatura torpe
Da nossa constante fome de dignidade.
Tampouco nos esquivemos
Desculpando-nos que a tal liberdade é um mito.
Pois que ela nada mais é
Que o nosso maior sonho e desafio
Que só há de ser consumado
Em comunhão íntima com a solidariedade.

PELA LIBERDADE SOLIDÁRIA E SOLIDARIEDADE LIBERTÁRIA!

E neste encontro reside a beleza!

reality-shit

Aqui não tem tristeza não!
Aqui não tem espaço para a solidão!
Fiquem conosco até o fim!
Seja o meu, seja o seu, não importa!

Vamos só esquecer, rir e dançar!
Fingir que a morte e a miséria não batem à porta.
Vamos beber, nos embriagar,
Nos satisfazer no corpo do outro!

Entorpecer a ferida, a chaga da vida,
Que em todos insiste em doer.
Que a regra do jogo em que estamos
É que ganha primeiro quem por último morrer.

Vamos coroar nosso futuro com um "nunca mais"
E nossa trajetória com um "não me lembro"
Vamos pensar que não há sofrimento
E fazer da ordem nosso maior desejo.

Porque o homem se sente animal
Toda vez que trabalha forçado
Mas se ilude livre outra vez
Numa cama, num copo ou num prato.

No-made

Numa manhã
meu novo amor chegou
made in Taiwan
dentro de uma caixa.

O entregador apressado
o interfone tocou
três vezes ou mais
mas não me encontrou.

Semanas se seguiram
e sempre que voltava
o entregador dedicado
em vão me chamava.

Eu que encomendara
tantas vezes o amor
a própria casa abandonei
por uma dor cara.

O amor embrulhado
nas cores da estação
com design arrojado
pra prateleira voltou.

Vagando entre ruas,
buzinas e solidões,
me lembrei do amor
estampado num jornal.

Os amores pré-fabricados
que outrora me alimentavam
com sua receita toda pronta
nem uma vez me saciaram.

Hoje sigo vagabundo
danço as horas com pés no chão
me esquecendo deste mundo
redescubro pra que serve um coração.