O paciente entra no consultório
- em que posso ajudá-lo? diz o médico
- peço que me olhe atento, responde o homem
os dois se observam por um momento
- o senhor sente alguma coisa?
perguntou o doutor pego de surpresa
o paciente disse após pensar um pouco
- sinto que não tenho muito tempo.
o psiquiatra franziu a testa impaciente
- o senhor acha que vai morrer?
o homem sorriu como se concordasse
- eu estou morrendo agora mesmo!
- está sentindo alguma dor, mal-estar?
- sim, mas já senti bem mais,
parece que a cada dia sinto menos.
- não entendo porque me procura então.
- porque quando as coisas me doíam
eu tinha certo que estava vivo.
Estando agora aqui e nada sentindo
a ausência da vida eu pressinto.
- meu senhor, não tenho tempo para filosofia
deseja um anti-depressivo, ou só conversar
pois caso isto seja, recomendo um amigo
retorne à sua vida e não tome mais meu tempo.
- o doutor também o sente? o tempo sendo tomado?
(por um momento foram cúmplices)
- meu senhor eu sei a vida é dura, ... pra nós todos
e parou um segundo engolindo a saliva, e a revelação
o homem o observou compreendendo
cúmplices foram por mais um momento
aquela sensação vinha de longe
de um tempo em que tudo respirava.
- o doutor há de concordar comigo
que não é a vida que é dura
são duros os dias, as horas e os minutos
em que à força enfiamos a vida
- eu ainda não entendo sua vinda
tropeçou nas palavras o médico
- meu senhor eu não posso ajudá-lo
- não quero ajuda, só um pedido.
- o doutor já teve saudades do que nunca viveu?
- uma nostalgia de um lugar não visitado?
- uma imagem de um encontro não ocorrido?
- pois é, esta era a vida insistindo.
- só peço que me olhe doutor
examine o que resta deste homem
os meus sonhos me abondonam a cada dia
paredes de todos os lados me comprimem.
- e se eu me encontrasse de novo
talvez não me reconheceria.
Mas fale do que vê e sente
e desconfie da normalidade.
E despediram-se num silêncio
pesado como as horas mortas
que preenchiam suas vidas
sem no entanto fazê-los esquecer.