quarta-feira, 21 de julho de 2010

Poema-conto

O paciente entra no consultório
- em que posso ajudá-lo? diz o médico
- peço que me olhe atento, responde o homem
os dois se observam por um momento

- o senhor sente alguma coisa?
perguntou o doutor pego de surpresa
o paciente disse após pensar um pouco
- sinto que não tenho muito tempo.

o psiquiatra franziu a testa impaciente
- o senhor acha que vai morrer?
o homem sorriu como se concordasse
- eu estou morrendo agora mesmo!

- está sentindo alguma dor, mal-estar?
- sim, mas já senti bem mais,
   parece que a cada dia sinto menos.
- não entendo porque me procura então.

- porque quando as coisas me doíam
  eu tinha certo que estava vivo.
  Estando agora aqui e nada sentindo
  a ausência da vida eu pressinto.

- meu senhor, não tenho tempo para filosofia
  deseja um anti-depressivo, ou só conversar
  pois caso isto seja, recomendo um amigo
  retorne à sua vida e não tome mais meu tempo.

- o doutor também o sente? o tempo sendo tomado?
   (por um momento foram cúmplices)
- meu senhor eu sei a vida é dura, ... pra nós todos
  e parou um segundo engolindo a saliva, e a revelação

o homem o observou compreendendo
cúmplices foram por mais um momento
aquela sensação vinha de longe
de um tempo em que tudo respirava.

- o doutor há de concordar comigo
   que não é a vida que é dura
   são duros os dias, as horas e os minutos
   em que à força enfiamos a vida

- eu ainda não entendo sua vinda
  tropeçou nas palavras o médico
- meu senhor eu não posso ajudá-lo
- não quero ajuda, só um pedido.

- o doutor já teve saudades do que nunca viveu?
- uma nostalgia de um lugar não visitado?
- uma imagem de um encontro não ocorrido?
- pois é, esta era a vida insistindo.

- só peço que me olhe doutor
  examine o que resta deste homem
  os meus sonhos me abondonam a cada dia
  paredes de todos os lados me comprimem.
 
- e se eu me encontrasse de novo
  talvez não me reconheceria.
  Mas fale do que vê e sente
  e desconfie da normalidade.

E despediram-se num silêncio
pesado como as horas mortas
que preenchiam suas vidas
sem no entanto fazê-los esquecer.

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