quarta-feira, 14 de abril de 2010

AMARGO

Vou rasgar de vez a pele
e desistir desta integridade de vidro
vou deixar transbordar a merda
que encabulado insisto esconder.

Vou cortar as pálpebras
sem sono, sem sonhos pra não distrair
a vida é dura e pouco doce
não quero pipoca, cansei de assistir.

Vou arrancar de vez as calças
nunca fui puro, nem mesmo menino
entrego os pontos, já não há jogo
a poesia está acuada num canto imundo.

Vou partir minha face e meus pulsos
pra quê verdades, pra quê discursos
se caindo enfim percebo que nós
brindamos sorrindo essa falta de rumo.

Vou cravar minhas unhas na terra
(num dos raros lugares que o cimentou não sufocou)
pra sentir só um pouco meu berço póstumo
do qual em vida saudades começo a sentir.

Vou calar de vez minha boca
ou chorar o abandono de qualquer crença ou redenção
o chão do meu coração eu sinto frio
e encolhido em mim resvalo sombrio .

Me bato, me rebato convulsivo
o mundo é mais que injusto
é este surdo e implacável constructo
que nos rouba da vida o motivo.

Me cobro, me saboto sozinho
porque cedo aprendi que é tudo minha culpa
sou eu o único responsável pela minha desgraça
enquanto com esta crença alguém lucra.

Me desisto, me aborto desiludido
de que me adianta esta etiqueta de indivíduo
sou parte do lodo amontoado no canto
que será removido tão logo atrapalhe o caminho.

Me perco, me lanço perambulando
tenho migalhas de sonhos nos bolsos
com elas nada compro ou digo
sou o próprio resto de um projeto de homem.

Mas destes cacos, destes pedaços
insistentes, encrudecidos de dor e luta
pode surgir algo que o mundo não projetou
que traz no sangue a poesia bruta.

A poesia crua, descrente na salvação divina
a poesia obscena de corpos e gemidos
a poesia sem pressa, mas urgente
vou abrir enfim as pernas, me atravesse.

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