sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

zona azul

A cidade não cala
o que calam são os olhos
testemunhas silenciosas
de tudo que quis ser.

Os carros rosnam sem parar
como sempre rangem apertadas
as costelas que amparam
meus pulmões a respirar.

As pessoas passam.
Passam depressa ou devagar.
Passam pela minha vida.
Passam sem peceber.

Que tempo é esse que não espera?
Que sonho é esse que não prospera?
Que remédio derramo nessa chaga?
Ao silêncio ofereço uma palavra.

Torpe.
Torpe.
Torpe.
É uma lembrança torpe que eu trago
ou que me trouxe até aqui.
Lembro de um passado que nunca foi meu.

A cidade não para
não há descanso depois do expediente,
braços abertos que me esperam,
ou horas vagabundas que me alimentem.

Ao soar do primeiro choro
nos lançamos urgentes
numa corrida insistente
que só finda quando encontra o chão.

Mas bendito seja o tropeço
que no ímpeto da gravidade
se choca enfim o peito
e solavanca o coração.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

de tanto mar

Tudo que eu queria
é que não houvesse diferença alguma
entre o mar e eu.

Que eu me desmanchasse em ondas
que tocam numa ponta a praia
e na outra o céu.

Que da brisa fresca
saudades não mais sentisse
porque então nós seríamos
companheiros inseparáveis
numa dança que paira
e perdura através das estações.

Quem dera mar eu fosse
e os quatro cantos tocasse
e em mim mesmo não coubessem
as ondas, as lendas e as preces.

E em tempos obscuros e mornos
em que a pressa impera e os olhos fogem
aqui mesmo, eu sou mar
na lágrima tímida e liberta
que pela minha face desce.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Ratinho de laboratório

como uns bytes de afeto pela manhã
e vou buscando mais ao longo do dia
uma parede de cristal líquido me ampara
me apartando do meu abismo interno
que este abismo também sou eu
dele me separando, de mim me descolo
me amputo a parte escura, oca e no entanto, viva
e tudo isso já foi dito

tudo o mais é um silêncio
que longe está da quietude
são mil brasas trabalhando dentro
roendo a matéria do corpo
parindo a fumaça da mente

toco a película viscosa da dor
mas míope permaneço intacto
meus olhos semiabertos
minha alma semiviva

me recolho no resvalo
que minha febre insiste teimosa
esse eu tudo é nada
que vai minguando, minguando.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

rastro

Em mim ficou o teu rastro
dizendo que aqui houve carícia
houve calor e suor à noite
houve um sussurro delicado

Em mim ficou o teu rastro
a assinatura dos teus beijos no meu corpo
o encontro dos teus dentes com a minha pele
meu sono recostado em você.

Em mim ficou o teu rastro
pedindo que voltes o quanto antes
trazendo contigo a maciez do teu abraço
e a cura bendita pra essa saudade.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Febre ao meio dia

Hoje de manhã
minha única certeza
eram umas poucas lágrimas
que pesadas, quase sólidas
caíam dos olhos.

Tudo mais era o incerto
esta sensação de que sou
a sucata do que um dia quis ser
num silêncio pousado em dor.

E um peito aceso, atento
vivo por mais um momento
quanto dura uma noite em mim?
quando um sol enfim vai surgir?

às vezes eu queria que a vida fosse uma roupa
que eu despisse vez em quando
e fosse só uma nudez
suspensa e leve

às vezes queria demolir meu coração
e começar tudo de novo

porque às vezes o desencontro pesa o tamanho
do mundo e suas razões burras

outras horas tem a asfixia dos meus medos,
que me deixam nesse vácuo de melancolia
e saudade do que nunca fui

E quando o sinal fica verde
enxugo a lágrima do queixo.
É preciso seguir.
Sim, seguir.
Há um plano,
um projeto de vida,
há contas a pagar,
trabalho a fazer,
sonhos pra deixar pra depois.
Engulo a saliva que é grossa
como o concreto que,
pouco a pouco me toma os poros,
as idéias, os olhos.
- É preciso ser um edifício sólido.
- E nunca cair em público.
- É preciso não envergonhar os seus.

Mas enquanto me debato com estas mentiras
que a mim chegaram pela inércia dos fatos
dos meus poros surge o pus
que este mundo me infecciona.

E se me chamam de romântico,
afirmando que desejo salvar o mundo
eu convido: olhem melhor!
que não é este meu intuito.

Trago comigo uma espada
pra atravessar o ventre moribundo
dos bons costumes e da ordem
que sustentam o tal mundo.

Sucumba com seus padrões
seus preceitos que só servem à castração!
Uso a lâmina da espada pra limpar meu pus
e como posso continuo a lutar

Mas não o faço sozinho
tenho a meu lado um exército
dos que insones e inquietos
vem se levantando num só grito.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

T.A.M.

amar dá medo
uma salada de sensações
um turbilhão de motivos
pra parar ou seguir

amar assusta
perder o chão
tocar o céu
abrir mão do equilíbrio

amar é claro
um tiro no escuro
um vôo desarmado
a queda do muro

amar é sempre
o que nunca foi antes
a passagem do instante
pra eternidade

amar é isto
borboletas no umbigo
frases sem sentido
o sol no seu sorriso

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

de mãos dadas


ai, ai, ai a gente podia
fugir pra cajaíba
entre o verde da mata
e o azul do oceano
se amar um bocado
e adormecer agarrado

e bem que a gente podia
dar um cano no mundo
mandar às favas o absurdo
de esperar pra ser feliz
um com o outro, um no outro
arriados ao entardecer

ou que a gente se mandasse
pra buenos aires
vagabundeando de dia
degustando os lábios à noite
entre tangos e milongas
teu suspiro me pondo pra dormir

ou que fosse Itacaré
nosso clandestino paradeiro
repousar enfim na preguiça
de ser sem pressa e inteiro
de ser comparsa, parceiro
na aventura de estar vivo

e mesmo que seja nesta tarde
nublada, eletrônica, contada
em que o tempo não é livre
e que o presente não é dado
mesmo dele, façamos história
com beijos e pequenos delitos.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

réquiem

um ano
dois semestres
quatro estações

e o que em mim era amor suspirava

um encontro
dois homens
quatro olhos

e o que em mim era amor estremecia

um sonho
dois tempos
quatro pés

e o que em mim era amor latejava

um beijo
dois corpos
quatro pernas

e o que em mim era amor entregava

quatro mãos
dois anseios
um silêncio

e o que em mim era amor tropeçava

quatro palavras
dois segundos
um fim

e o que em mim era amor se partia

e o que em mim era amor se paria
parte morto, que já não respirava
parte vívido, que então rastejava

e o que em mim era amor resistia
comendo nas passagens e encruzilhadas
colhendo no lodo as flores nascidas

e o que em mim era amor caminhava
já que paragem pra ele não havia
mas nos olhos trazia serena certeza
que dentro em breve renasceria.

dispalyyourselfmadem@n

virtualizadas
as relações
maximizadas
as solidões
interfaces
nos vestem
o encontro
transvestem
de avatares
de sonhos
de escombros
desencontros
descaminhos
desesperos
desistências
conveniência
gôndola
caixa
débito
Volte
sempre!

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Amo, logo não desisto

Um amor que é lido ou escrito,
mas não vivido, não é amor.
É masturbação miocárdica.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

nos trilhos

Sobre as horas vou nadando sem parar
mas é fundo o tempo em que posso mergulhar.
No relógio meu compasso ordenado.
Nas costelas a vontade de escoar.

Em frente a uma tela de cristal líquido,
num afago trôpego e perdido,
a lembrança cala meu olhar sonolento.
Os minutos roçam minha fronte preocupada
e sentado sinto o mundo acelerar.

Pelas horas vou sendo espremido
não sinto dor, sinto um sufoco quase natural.
O aprendido em anos de costumes
pode desabar no tempo de uma entrelinha
mas agora tudo se sustenta nos meus ombros armados.

Um segundo é quanto vive o gemido
é no peito que reside o meu grito
gerado na somatória de todas as pressas
calado na demora dos dias.

É num silêncio digitado que sigo
pelas horas que correm desde sempre
sem nunca aportar em qualquer estação.

E vão correndo sem perceber
que são passado e presente, misturados
Em vão morrendo sem entender
que em si carregam o tempo,
o germe voraz e implacável do tempo
querendo o relógio romper.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Que puxa!

o coração está sentado
se recuperando de um tombo
logo logo se levanta
mas por enquanto, suspira e pensa:
essa dor toda deve servir pra alguma coisa!

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Inverno

A melhor forma de tornar os sonhos em realidade é acordando. Paul Valéry

Fazem menos cinco graus logo abaixo da minha pele.
Meus ossos estão à sombra dos sonhos que tive
e que acabaram de ruir novamente.
Aqui é triste e frio, mas ainda é o presente.

Meu peito bate em animação suspensa,
é grave e lento seu bumbo agora
tem dor e tem medo, num contratempo,
tem chiado molhando o instante que chora.

O meu corpo que aprendi a vestir
pensa que talvez despindo-se de si
possa quem sabe, revelar enfim
a alma que soluça abrupta em mim.

O céu é branco daqui
como se o tempo o oferecesse
a quem inquieto e corajoso
queira escrever em seu seio o porvir.

É preciso sangue para atravessar estes tempos.
É preciso tê-lo e não negar-lhe o passeio.
Pois que ganhando as ruas arteriais do eu mesmo
me difunde no sonho que novamente vai se erguendo.

E segue brotando nos escombros do peito
regado pelas sódicas lágrimas que desceram
renascem raízes cravadas no aqui e agora:
é na urgência da vida que o sonho ascende dançando.

E ainda que seja sonho, germe do que ainda virá
não é contudo menos vivo e avassalador.
Que se lance virótico nas planícies humanas
e floreça concreto na rebenta aurora.

Oração

Deixe a dor aqui, deixe ela presente
que eu não quero daqui um tempo
tropeçar nas minhas emoções envelhecidas.
Deixa este latejo me lembrar da vida e da morte.

Deixe o sangue correr, dentro e fora de mim
a ferida estanca quando morre o suficiente
e a vida que resta se multiplica insistente.
Deixa o sangue seguir o curso da noite.

Deixe a lágrima dançar com o riso
uma lembrança mata, outra ressuscita
uma canção me embala numa montanha russa.
Deixa meu coração ser tudo que tiver que ser.

Deixe o tempo me atravessar por inteiro
um segundo aqui dentro pode durar um século
e um suspiro às vezes pesa mais que o vento.
Deixa, que eu não sou mais o mesmo.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Noturno

Um eclipse recobre minha face
as pálpebras pesam encharcadas
Nina Simone me acompanha de perto
e eu sou só um momento quieto.

Mas sei bem o atropelo aqui dentro
meu peito parece uma cova de areia movediça
e o braço que pode me tirar daqui a tempo
é o meu mesmo, que sacode aflito.

De quantas revanches se faz uma história
até quando um cão feroz me tomará os olhos
é numa espiral de dor e receio que desço
nas assustadoras profundezas do que estou sendo.

Poderia um encontro não terminar em luta
haveria algum modo de ser verdadadeiro
e contudo, não ser uma verdade solitária
Saberei um dia amar levemente?

Escorrego pra vala dos meus pesadelos
entre interrogações que não controlo
pois desde sempre estão aqui
e é pouco a pouco que as enxergo.

Escorro da minha altivez de adulto
pro porão onde um dia fui criança
entre brinquedos e abandonos
uma lágrima enfim se lança.

A lágrima seca, a palavra falta
o eclipse prossegue inabalável
o sol se pôs em mim há algum tempo
e é de noite e no frio que agora eu sigo.

Já não sorrio abundantemente
meu corpo geme, meu ânimo pesa
ensaio alguns passos próprios
que já não é o vento que me leva.

Como dói esta noite
este deserto gelando meu peito
aprender o tempo é árduo
mas com ele virá o sol que desejo.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Charlie Brown

O amor que me ensinaram eu rejeitei.
O amor que eu quero viver eu não posso.
O amor que eu posso viver eu tenho medo.

Patético, hã?

terça-feira, 27 de julho de 2010

Do que espero

Sabe aquele dia de sol
em que tudo pára no seu brilho amarelado
em que tudo paira num calor aconchegado?
quando virá eu não sei.

Sabe aquele tempo sem pressa
em que as coisas acontecem por si
em que os planos já não fazem sentido?
quando virá eu não sei.

Sabe aquele sabor de fruta carnuda
que enche a boca de água e doçura
que cala a palavra mas provoca o gemido?
quando virá eu não sei.

E sabe aquele sorriso
Às vezes entrega, às vezes abrigo
Intenso de cores num planeta íntimo?
quando virá eu também não sei.

Mas sabe aquela torcida
Às vezes ansiosa, por vezes melancólica
Aquela que na vida fez suas apostas?
Esta permanece aqui.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Poema-conto

O paciente entra no consultório
- em que posso ajudá-lo? diz o médico
- peço que me olhe atento, responde o homem
os dois se observam por um momento

- o senhor sente alguma coisa?
perguntou o doutor pego de surpresa
o paciente disse após pensar um pouco
- sinto que não tenho muito tempo.

o psiquiatra franziu a testa impaciente
- o senhor acha que vai morrer?
o homem sorriu como se concordasse
- eu estou morrendo agora mesmo!

- está sentindo alguma dor, mal-estar?
- sim, mas já senti bem mais,
   parece que a cada dia sinto menos.
- não entendo porque me procura então.

- porque quando as coisas me doíam
  eu tinha certo que estava vivo.
  Estando agora aqui e nada sentindo
  a ausência da vida eu pressinto.

- meu senhor, não tenho tempo para filosofia
  deseja um anti-depressivo, ou só conversar
  pois caso isto seja, recomendo um amigo
  retorne à sua vida e não tome mais meu tempo.

- o doutor também o sente? o tempo sendo tomado?
   (por um momento foram cúmplices)
- meu senhor eu sei a vida é dura, ... pra nós todos
  e parou um segundo engolindo a saliva, e a revelação

o homem o observou compreendendo
cúmplices foram por mais um momento
aquela sensação vinha de longe
de um tempo em que tudo respirava.

- o doutor há de concordar comigo
   que não é a vida que é dura
   são duros os dias, as horas e os minutos
   em que à força enfiamos a vida

- eu ainda não entendo sua vinda
  tropeçou nas palavras o médico
- meu senhor eu não posso ajudá-lo
- não quero ajuda, só um pedido.

- o doutor já teve saudades do que nunca viveu?
- uma nostalgia de um lugar não visitado?
- uma imagem de um encontro não ocorrido?
- pois é, esta era a vida insistindo.

- só peço que me olhe doutor
  examine o que resta deste homem
  os meus sonhos me abondonam a cada dia
  paredes de todos os lados me comprimem.
 
- e se eu me encontrasse de novo
  talvez não me reconheceria.
  Mas fale do que vê e sente
  e desconfie da normalidade.

E despediram-se num silêncio
pesado como as horas mortas
que preenchiam suas vidas
sem no entanto fazê-los esquecer.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Roça

Uma transa, um transe
nossas pernas trançadas.
O sabor dos teus pelos
bolindo meu hálito.
Me dá teus lábios ardendo
devolvo gemidos suados.
Comer você inteiro
e adormecer embriagado.

terça-feira, 13 de julho de 2010

I lost my soul on a dancefloor

tum

tum

tum

tum

Meu coração foi à forra
caindo sem dono na madrugada
no meio dos corpos se agitando
minha urgência deflagrada:

tum tum tum tum
tum tum tum tum

-é preciso vingar-se
sentir o prazer do outro nos perdendo
testemunhando seu erro de fel
enquanto beijamos outra boca anônima.
tumtumtumtumtumtumtum
- ou é preciso salvar-se em outros braços
entender que no mundo alguém ainda nos quer
de qualquer forma, apesar dos pesares
mais vale um beijo sem gosto que uma boca vazia

tutis tum tutis tum tutis tum tutis

Eu perdi minha alma numa pista de dança
ou qualquer coisa que me aproximava de mim
jogado entre bases pesadas, luzes e fumaça
meu peito ainda geme, mas meu lábio sorri.

tis tis tis tu-tum tum tum tum-tis tum-tis tum-tis

E eu que nem sou mulher
cravei minhas unhas de fêmea numa salvação patética
vaguei feito cortesã decadente entre a multidão solitária
sorri minha vingaça imaginária
enquanto um ranso de perda impregnava meus lábios.

tis
tis
tis
shhhh.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

tropeço

Plantaste uma pedra entre nós
e nela cravado estava um não.
Os ventos que semeavas sorrindo
sem aviso se tornaram tufão.

E do vácuo das idéias
que corpo se erguiria?

uma história pulverizada
em extensão e profundidade
escapa furtiva das mãos.
Seria enfim a liberdade?

um elo que se chama profundo
não seria, talvez no fundo
um elo que não existe?
que por medo de admití-lo
ou por não enxergá-lo,
se lhe atribui a dimensão do impalpável.

Desisti da verdade
que ela não é senão muitas
Estão aqui e ali, construídas
nos dando a sensação segura.

no momento eu persigo buracos
ou quando posso, as perguntas
pois no que não é dito, me movo
entre tropeços e lacunas.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Love is a losing game

E já não havia carícia
só aquele nó engasgado
um pigarro de desajeito
uma camisa amarrotada e suja

E já não havia brilho no olho
antes um olhar disperso, abduzido
pelo tempo da espera perdida
mascando as horas de indecifrável dor

E já não havia jeito ou conserto
tem certas lágrimas que não se enxugam
tem certos tempos que não voltam
E então o que havia era tormento

Hora de sono epilético, febril
quando a noite vem ceifar o sorriso
a morte recobre a pele dos sonhos
é tempo de devaneio mudo

No mais é a passagem
paisagem que dança lútea as horas
o corpo e a música discutem
e dois olhos baixos vão embora.

sábado, 26 de junho de 2010

Produção

A tua ausência produz saudade.
O teu cheiro produz longos suspiros .
A tua pele produz o fogo.
Os teus braços o meu ninho.

A espera produz o sonho,
O devaneio de você aqui.
Produza o quanto antes
você grudado em mim.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Chamado

Mortificado sou
dia após dia neste mundo
Cada hora no trânsito
Menos uma hora ao vento
Mergulhado no absurdo
de correr e correr sem cessar
não olho pro lado pra ver
a vida por mim passar
impelido ao trabalho
que eu não posso acreditar
impedido de viver
do que me faça pulsar.

Já estou condenado
sou corrupto desde agora
começo meu dia burlando leis
pra minimizar minhas perdas.
Avanço o semáforo vermelho
ultrapasso qualquer delicadeza
tudo na minha vida é contado
as horas de sono,
o tempo pra chegar no escritório,
uns centavos de beleza.

A liberdade nunca foi um ente tão abstrato
impalpável à experiência concreta
sou um escravo que trabalha,
consome e sofre,
das parcas opções que lhe são dadas.

O negro na senzala
batalhando a alforria
nós em nossos computadores
esmorecendo até a aposentadoria
Pagando carro,
pagando casa,
pagando multa,
pagando imposto,
pagando o direito,
pagando o abuso,
pagando a comida,
caindo em desuso.

Mas temos mais conforto não é mesmo?
E temos, porque temos que tê-lo.
Na nossa miséria confortável
da riqueza do outro pagamos o preço.

Vai ânimo, vai escorrendo pelas costas
As portas estão fechadas, minha boca está vazia
Meu estômago tem náuseas, e à cabeça falta sossego
Enquanto houveres em mim, certamente lhe sugarão
como motor do lucro ou como sítio pra alienação

Não me vendam mais sonhos
lugares pra eu jogar uma ilusão
o que me resta de força e coragem
o que ainda me põe em pé ou me insiste mover
isto ponho a serviço de destruir
toda grade que aprisione
sobretudo as mentiras que existem pra nos conter.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Fogueira

Transformei o maldito amor numa coisa
Gravei-o num CD de músicas
Compilei-o numas folhas avulsas
Inútil fazê-lo, o amor escapou sem demora.
E tomou conta das horas
Fez o que quis dos meus pensamentos
Em vão me joguei no trabalho
O amor me reclamava por dentro.
Reivindicava suas horas de espera
Seu tempo e espaço de existir
O amor já não era só uma idéia
Se tornara uma urgência sem fim.
Me deu febre e insônia
Confiscou a paz dos meus dias
Ateou fogo às minhas propriedades
O amor já não tinha dono.
Tinha vontades de céu e inferno
Me perdia e me salvava num só segundo
No meu peito o espaço do nada
O amor se tornava maior que tudo.
Não havia lei para o amor
Nem havia uma razão que lhe desse cabo
O amor escancarava minhas vísceras
E me entregava à sorte dos meus medos.
Que assim seja, em brasa e êxtase
O mesmo amor que me consome
Com entranhas implacáveis
Vai parindo o que não sei ser.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Nota no rodapé de uma carícia

Eu reinventarei o amor com você
Quantas vezes seja possível
ou até que abraçados e satisfeitos
peguemos no sono sorrindo.
E nenhuma das coisas que eu não sei
é mais forte do que isto.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Paisagem do agora

yo soy patético
você faz uma pergunta
já dando a resposta

a figura de linguagem
não dá conta da vida
o que urge não cabe
numa força de expressão

restam uns instantes calados
em que em vão vou tentando
tirar alguma carta da manga
talvez um coelho da cartola
(que não tenho)

e nestes instantes supensos
me sinto nu como num sonho estranho
todo truque se foi, caiu em desuso
e é só o agora na minha cara
(como me armar diante da vida?)

LET IT BE, OR BLEED
but I can't say words of wisdom
would there be an answer?

Estou me repetindo
andando em círculos
as frases de efeito não dão conta
da vida e seus desassossegos.

and it's a long and wide road

tempo de pé na estrada
o peito cravado na terra
a cabeça gira durante a queda
tudo mais é inútil dizer.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Baila

Você quer dançar tango
eu, uma salsa bem agarrado
um pisando o pé do outro
e ninguém se divertindo.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Agonia no meio do mercado

Privatizaram o tempo
me privaram de parar
o mecânico movimento
privatizaram meu jeito de ver.

Todas as manhãs me debato
entre dormir ou ganhar dinheiro
trabalhar menos uma hora sem fome
entorpecer mais uma hora sem sonho.

Privatizaram o amor
e dele fizeram o atalho perfeito
pra fugir de mim mesmo
e em mim conter tudo que não sei.

Privatizaram meus passos
os caminhos e direções que em vão vou seguindo
cortaram as asas dos pensamentos
e taparam a estrada para o que há de vir.

Privatizaram meus sentidos
compraram o direito de me fazer ver
como um messias debochado anunciaram
que o céu e o inferno é questão de investimento.

Privaram meus medos
meu prazer, meus anseios
e de tanto privatizar
nesse poema só falta o preço.

E assim estamos seguindo
vendendo ou comprando
enquanto o mundo nos consome
e nosso ânimo nos abandona.

Buscamos ser nós mesmos
E no meio do gado permanecemos
Comemos do pasto que nos deixam
E esperamos o abate desatentos.

Coisa triste essa sobrevida
que de outras vontades sempre depende
se ao patrão servimos, somos bem-vindos
se não, somos jogados à nossa sorte.

Mas não se tardam a ouvir
por todos os lados
os gritos invendáveis
dos corações inquietos.

domingo, 9 de maio de 2010

confesso

difícil dizer
o que não se confessa
a quem minha saudade
insiste em chamar
quantos outros possa eu querer
qual deles me daria
teu toque gostoso
teu beijo macio
teu rosto sedoso
e o teu belo sorriso
esse que me pego lembrando
querendo de novo
de que fujo, mas sou pego
e me pego de novo a querer

ai ai ai

quarta-feira, 5 de maio de 2010

68

A burocracia venceu
as necessidades concretas
a ordem e seus princípios
amordaçam a vida que grita.

Onde estão os  ideais
que tanto iam mudar o mundo?
hoje apenas sonhos irreais
de uma juventude ingênua?

O que nos fez levantar a voz
foi um argumento tolo
ou o gemido quase feroz
de quem vivo se torna morto?

Nossos pais mortos em confronto
ou calando omissos frente à tortura
nossos irmãos mendigos, batendo o ponto
ou rezando pra escapar da loucura.

O que resta pois, são só escombros
dos planos que não realizamos
das massas que não se uniram
das orgias e banquetes às nossas custas.

às custas do futuro mais justo
da vida da criança malabarista
da minha riqueza de humano
da nossa paz e da nossa alegria.

Eis que tudo virou produto,
compre bem, pague pra sempre
consuma até algum discurso
e cale seus atos impunemente.

há uma pilha de escombros, não há dúvida
seu cheiro e seu aspecto nos nauseiam
mas saiba, ali ainda habita
o germe que leva a vida adiante.

a vida fede, soterrada
ela prossegue mesmo ferida
mas um dia há que enfim eclodir
o clarão inevitável da vida.

não na coroa de um redentor
nem pelo alcance das idéias
a vida virá à tona furiosa
porque está grávida da miséria.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

dança das palavras

Tem um quê em nós dois
que sempre diz adeus
quando quer dizer oi.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Do you know me?

Sussurro show me from behind the wall

O que quero é tua boca me benzendo o corpo inteiro
No mais mundano dos rituais profanos
O que quero é morrer desse desejo
Desfalecer meu gozo no teu peito
Porque assim morrendo, renasço
No sorriso jocoso quando os olhos se encontram
E na tua carne tremendo, embarco
No embalo guloso de línguas e dentes.
Quero seguir teus pelos numa estrada
Que me leva aos teus perfumes mais íntimos
E no perder-se das horas na madrugada
Agarrado em ti, esquecer-me do tempo.

Peço show me from behind the wall

Que a tua boca já é pra minha
Um repouso doce e quente
Ou onde o fogo da volúpia
Vem dançar alegremente.
Que os teus gemidos me são
A prece mais que perfeita
A canção que me embriaga os poros
E me mima uma noite inteira.
Pois que quando chegou a manhã
No teu abraço encontrei os sonhos
Pra despertar depois com fome
E me saciar nos teus encantos.
Não te preocupas delícia
Que eu confesso pois
Não quero matar-te senão com o gozo
Com que me mato e renasço sendo nós dois.

Grito show me from behind the wall

quarta-feira, 14 de abril de 2010

AMARGO

Vou rasgar de vez a pele
e desistir desta integridade de vidro
vou deixar transbordar a merda
que encabulado insisto esconder.

Vou cortar as pálpebras
sem sono, sem sonhos pra não distrair
a vida é dura e pouco doce
não quero pipoca, cansei de assistir.

Vou arrancar de vez as calças
nunca fui puro, nem mesmo menino
entrego os pontos, já não há jogo
a poesia está acuada num canto imundo.

Vou partir minha face e meus pulsos
pra quê verdades, pra quê discursos
se caindo enfim percebo que nós
brindamos sorrindo essa falta de rumo.

Vou cravar minhas unhas na terra
(num dos raros lugares que o cimentou não sufocou)
pra sentir só um pouco meu berço póstumo
do qual em vida saudades começo a sentir.

Vou calar de vez minha boca
ou chorar o abandono de qualquer crença ou redenção
o chão do meu coração eu sinto frio
e encolhido em mim resvalo sombrio .

Me bato, me rebato convulsivo
o mundo é mais que injusto
é este surdo e implacável constructo
que nos rouba da vida o motivo.

Me cobro, me saboto sozinho
porque cedo aprendi que é tudo minha culpa
sou eu o único responsável pela minha desgraça
enquanto com esta crença alguém lucra.

Me desisto, me aborto desiludido
de que me adianta esta etiqueta de indivíduo
sou parte do lodo amontoado no canto
que será removido tão logo atrapalhe o caminho.

Me perco, me lanço perambulando
tenho migalhas de sonhos nos bolsos
com elas nada compro ou digo
sou o próprio resto de um projeto de homem.

Mas destes cacos, destes pedaços
insistentes, encrudecidos de dor e luta
pode surgir algo que o mundo não projetou
que traz no sangue a poesia bruta.

A poesia crua, descrente na salvação divina
a poesia obscena de corpos e gemidos
a poesia sem pressa, mas urgente
vou abrir enfim as pernas, me atravesse.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Reza (ou o segundo da boca)

rapaz eu quero sua boca
e colado a ela adormecer
convulsivo de sonhos e desejos

rapaz eu quero sua boca
e os teus braços me contendo
enquanto derreto em você

rapaz eu quero sua boca
no instante em que me entrego,
em você alegre me perco

rapaz eu quero sua boca
na noite das horas dilatadas
gemendo febril o meu nome

rapaz eu quero sua boca
numa viagem doce e rouca
abandonados no nosso suor

rapaz me dá a sua boca
pra eu usá-la de adorno
em cada parte do meu corpo

rapaz me toma pelos lábios
e me bebe como o vinho
que me agrada me afogar
no mar da tua saliva

rapaz me prenda nos teus dentes
num lapso que é dor e carinho
me forre a pele com a língua quente
me sorva urgente e sem pudor

rapaz eu quero você

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Aos traidores

Me diverte a demora da espera
saber que caminhas vindo a mim
com tua faca e garfo em punhos
louco pra meu fígado digerir.

Me deleito em anedotas
que faço jocoso sobre nós
eu de peito aberto te confronto
você com o punhal à espreita.

E num abraço semi-fraterno
nossos risos nervosos dissonam
a tensão em sua face revela
o intuito do golpe fatal.

Me diverte saber que tu companheiro
enquanto danças entretendo
a platéia desavisada e omissa
se prepara para mostrar a que veio.

Maior que a certeza da morte
que virá das tuas mãos descrentes
é meu gozo de saber que podes matar a mim
mas nunca as idéias que me movem.

Memorial do quarto escuro

E assim eu
sozinho e mudo
sem saber
servia ao mundo.

Das bordas surdas
do meu quarto escuro
meu grito calava
por medo de romper
uma suposta harmonia
uma pretensa ordem
as leis divinas
o bem comum.

E mesmo obediente
imóvel e amável
no chão dos meus dias
me despedaçava.

E mesmo crente
amável e imóvel
rezando na febre
pra algum deus me colar.

Eis que à meia-noite
de uma noite qualquer
gerada ao longo
de tantas outras noites
abri a porta e gritei
transbordando de minhas fissuras.

Janelas se abriram
faces suspensas
silêncios pálidos
confessados meus pecados.

E qual foi o meu espanto
tão logo descobri
não eram meus os pecados
mas do mundo aos pedaços
diante de nós a ruir.

terça-feira, 30 de março de 2010

tomara que caia

NOVOS RUMOS
VELHOS MUROS

De que adiantam
os novos rumos
se em pé permanecem
os velhos muros?

Ou para cada muro que cai
outro é erguido, invisível
entre eu e você,
entre a inteligência
e o dia a dia correndo pra sobreviver

A liberdade está cercada
é preciso pagar pra ver!
o tempo está em alta
é preciso pagar pra ter!

Mas com certeza
uma nova grande idéia vai surgir
com a missão de enterrar
todos os gritos que não paramos de ouvir

-Ligue o som querido
hoje a noite está agradável.
Não será da rua o gemido
que nos furtará o lar confortável!

Mas com certeza
novas idéias não calarão
a velha pergunta insistente
Por que pra uns, pra outros não?

Ou por que continuamos
dançando este mantra absurdo
absortos pelas urgências
de um mundo que nos mantêm famintos?

Cuspamos os novos rumos
Empurrados goela abaixo
Derrubemos os velhos muros
A liberdade será de todos
ou não será.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Boca

A boca é sem dúvida
o mais erótico dos órgãos
pois com ela sorvo atento
cada um dos seus gostos.

É dela que exala
o feitiço do teu hálito
que umedece minha face
e preenche nosso silêncio.

São as bocas a gemer
que pertubam toda ordem
desarrumam os discursos
e se entregam à sua sorte.

É com a boca bem lasciva
que vou entregue
lábios e língua
teus relevos tatear.

É no íntimo mais escuro
que a boca vem dizer
cada uma das texturas
que o olho não sabe ver.

E até mesmo é a boca
que ouve, febril e louca
quando suspira uma outra
para juntas se fecundar.

São as bocas esses frutos
trêmulos e brutos
que coroam o absurdo
de dois querendo um só ser.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Dúvida insistente

Que mundo é este
em que só me sinto vivo
quando luto contra ele?

segunda-feira, 8 de março de 2010

Nu

Quando duvidares que te quero
pergunta ao vento.
Porque ele ouviu em silêncio
Meu corpo suspirando ao te ver.
Ele ouviu o soluço abrupto
quando calei teu nome em mim
tantas vezes que o fiz
pra não me denunciar.
E se não sabes o que sinto
pergunta ao vento.
Que ele passando por mim
segurou-me pelos ombros
pra eu não me atirar sobre você.
Ele, companheiro invisível
amigo incógnito no percurso
foi testemunha paciente
de cada tropeço que dei
distraído ao te ver.
Ele, o vento
que tudo toca e que ninguém pode conter
carregou meus devaneios a teu respeito
e ouviu minhas preces sem ter o que dizer.
Ele, o desejo
que em todos nasce e que ninguém pode prender
regeu meus passos diante de você
numa dança de espera e saudade.
Nós, eu e o vento
vagamos nossas vidas sem pedir um único porquê
pois são muitas as razões, as delícias e as paixões
que nos movendo, nos transmutam
no que o mundo jamais pode prever.
E destes tempos jamais sonhados
me cabe a busca de viver.
Quem sou, já não importa tanto.
Pergunta ao vento.
Ele deve saber.

Outro

Baby, entenda
Eu não sou item de lista
Nunca coube em uma lauda
Nem nunca hei de caber.
Nem me encaixo no kit
carro, casa, emprego
Não sou o bem afetivo
Que te completará.
Não te esperarei arrumado
No sofá ao fim do dia
Não serei do teu álbum
A última figurinha.
Não sendo colecionável
Não fico bem na prateleira
Numa vida ordenada
Tendo sempre a destoar.
Não sou peça rara
Pra ser conquistado
Pois que não me contento
Em ser fabricado.
Pois que não me contenho
Nas grades cotidianas
Me debato orgulhoso
Quanto e enquanto puder.
Não me agrades sem porquê
Não me minta adjetivos
Apenas me olhe e saiba
Que de “meu” jamais me chamarás.
Pois se existe o amor
Ele preza pelas asas e sonhos
Que despertos ou em sono
Todos trazem em si.
Não queira me plantar do teu lado
Que minhas raízes não são daqui
Não se alimentam deste mundo
Nem do que ele chama ser feliz.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Prazer nos poros

Dei-me dias inteiros na beira do mar
Banhei-me em águas insolaradas
Repletas de risos e cantos,
Cheias de vida e de história.
Dei-me noites de lua cheia
Obsceno clarão suspenso no ar
E um céu negro bordado de estrelas
Que guloso eu comi com o olhar.
Dei-me passeios entre árvores
Em trilhas de raros arranjos
Adornadas com pedras, prainhas
Embriagantes de tanta beleza.
Dei-me rodas de cantos
bebi a alegria ao lado de amigos
Dancei o inesperado encanto
E pasmo caí em mim mesmo.
Que o mesmo já não fosse
Pois que me dando
Perdi e ganhei
Metamorfoseando.
Os gostos descobertos
As areias que toquei,
Sombras que refrescam,
Os caldos que tomei.
Engraçado é pensar
Que de tudo que me dei
Nada disso possuí
Mas de mim não tirarão
Os sabores desse tempo.

Sobre a beleza num dia de férias

Yo tengo tantos hermanos que no los puedo contar
Y una novia muy hermosa que se llama libertad.
Atahualpa Yupanqui


Em liberdade, todo ser humano é mais belo.
Em liberdade, ele enxerga mais a beleza.
Mas não nos confundamos:
Liberdade não é um conceito, uma abstração do intelecto.
Também não achemos que ela resulta da iluminação espiritual
da abnegação resignada do que é mais caro à vida humana:
Comer, habitar e conviver,
questionar, refletir e transformar.
A liberdade é condição essencial ao humano
Tal como é o pão, o chão e o teto para repousar,
o aconchego e o prazer do encontro.
Mas não nos enganemos:
Estas necessidades são anteriores.
Nem nos iludamos:
A liberdade não cairá diante de nossos olhos
Tal como um dia de sol depois de anos de trevas.
A liberdade há que ser conquistada,
parida com sangue.
Não por um, mas por todos.
Não para um, mas para todos.
E não nos conformemos:
A liberdade guarda em si a potência de muitos universos em expansão.
Diferente do sabor açucarado de poder consumir
e amargar o vazio em seguida.
E não nos omitamos mais:
Enquanto alguém precisar vender-se em qualquer instância
Para garantir suas necessidades de sobrevivência
Falar em nome da liberdade não passa de um discurso imoral.
A liberdade da vida privada
Com momentos determinados
Para começar e acabar
Não passa de uma caricatura torpe
Da nossa constante fome de dignidade.
Tampouco nos esquivemos
Desculpando-nos que a tal liberdade é um mito.
Pois que ela nada mais é
Que o nosso maior sonho e desafio
Que só há de ser consumado
Em comunhão íntima com a solidariedade.

PELA LIBERDADE SOLIDÁRIA E SOLIDARIEDADE LIBERTÁRIA!

E neste encontro reside a beleza!

reality-shit

Aqui não tem tristeza não!
Aqui não tem espaço para a solidão!
Fiquem conosco até o fim!
Seja o meu, seja o seu, não importa!

Vamos só esquecer, rir e dançar!
Fingir que a morte e a miséria não batem à porta.
Vamos beber, nos embriagar,
Nos satisfazer no corpo do outro!

Entorpecer a ferida, a chaga da vida,
Que em todos insiste em doer.
Que a regra do jogo em que estamos
É que ganha primeiro quem por último morrer.

Vamos coroar nosso futuro com um "nunca mais"
E nossa trajetória com um "não me lembro"
Vamos pensar que não há sofrimento
E fazer da ordem nosso maior desejo.

Porque o homem se sente animal
Toda vez que trabalha forçado
Mas se ilude livre outra vez
Numa cama, num copo ou num prato.

No-made

Numa manhã
meu novo amor chegou
made in Taiwan
dentro de uma caixa.

O entregador apressado
o interfone tocou
três vezes ou mais
mas não me encontrou.

Semanas se seguiram
e sempre que voltava
o entregador dedicado
em vão me chamava.

Eu que encomendara
tantas vezes o amor
a própria casa abandonei
por uma dor cara.

O amor embrulhado
nas cores da estação
com design arrojado
pra prateleira voltou.

Vagando entre ruas,
buzinas e solidões,
me lembrei do amor
estampado num jornal.

Os amores pré-fabricados
que outrora me alimentavam
com sua receita toda pronta
nem uma vez me saciaram.

Hoje sigo vagabundo
danço as horas com pés no chão
me esquecendo deste mundo
redescubro pra que serve um coração.